Itabirito

Pastel de Angu de cara nova vira sucesso

Culinarista se destaca pela criação do famoso pastel em formatos personalizados e mais de 260 tipos de recheios.

O pastel de angu, tradicional iguaria da culinária típica de Itabirito, foi criado no século 19, por volta de 1851, época em que a cidade ainda era conhecida como Itabira do Campo, distrito de Ouro Preto. A receita foi desenvolvida pelas escravas Philó e Maria Conga, as primeiras a usar angu, principal refeição dos escravos, junto com umbigo de banana e sobras de carne.

Desde então, a receita passou a fazer desenvolvida por várias pessoas da cidade, uma iniciativa para enaltecer o tradicional pastel. É o caso de Inês Souza Lima, mais conhecida como Inesita. Moradora do bairro Capanema e residente em Itabirito há mais de 30 anos, Inesita é neta de escravos por parte de pai e neta de índios por parte de mãe. Ela aprendeu a fazer pastel de angu ajudando nas festas da Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem, vendo as senhoras que produziam a iguaria. “Eu as via fazendo os pastéis e pensava que, no dia que eu fizesse sozinha, seria do meu jeito, de uma forma diferente. E foi o que eu fiz. Meu tempero é diferente; não tem química. É todo caseiro. Eu não como nada que tenha química e o que eu não como eu não sirvo pros meus clientes”, conta, entusiasmada.

Inesita revela que, quando a tradicional festa em comemoração ao dia de Nossa Senhora da Boa Viagem parou de ser feita, em 2005, foi convidada para representar Itabirito num curso oferecido por uma Ong, a um grupo de japoneses. “Eu fui dando curso, todo mundo chamando, e quando vi já era reconhecida pelo meu trabalho. Todo mundo aprova meu jeito de ensinar e preparar o pastel de angu”, acrescenta a culinarista, como prefere ser chamada.

Criatividade na cozinha é diferencial nas receitas

A ideia de criar pastéis de angu personalizados veio através de um curso de design que Inesita fez no Sebrae. Durante o curso, ela fez artesanatos das escravas Philó e Maria Conga, criadoras da iguaria, em papel machê e fibra. “Deus foi abrindo minha mente e eu pensei que se eu fui capaz de fazer essas artes, por que não criar pastéis de angu com design diferente do tradicional? Foi ai que eu pensei em retratar elementos da cultura de Itabirito nos formatos dos pastéis. Tem pastel de angu em formato da estrada real; do portal de Itabirito; do alto-forno da VDL; tem também no formato do Pico de Itabirito; no formato das escravas Philó e Maria Conga; Cristo Redentor de Itabirito; e este ano eu fiz um pastel de angu no formato das bandeirinhas que enfeitam a Festa do Pastel de Angu”.

Ao todo são dez modelos e mais de 260 recheios diferentes desenvolvidos por Inesita. Além dos recheios tradicionais, de umbigo de banana, carne, queijo, frango, a culinarista também faz pastéis de angu com recheio de couve com calabresa, couve com torresmo, quiabo com frango, umbigo de banana com tomate seco, napolitano, escondidinho de mandioca, batata doce, entre outros. Tem também os pastéis de angu doces, que possuem um formato parecido com o de um churros, tendo como opções de recheios: goiabada com queijo, chocolate, doce de leite, e vários outros doces.

Inesita quis ousar e desenvolveu o pastel de angu assado, novidade que ela vai patentear para deixar registrado na cultura da cidade sua criação. “Vou passar no cartório e registrar. Enquanto vida eu tiver, eu vou fazer a massa do pastel de angu assado. Quando eu morrer, vai ficar pra cultura, em forma de agradecimento a essa criação das escravas que me deu minha fonte de renda”, acrescenta, emocionada, sobre seu trabalho.

Pastel de angu assado é a aposta de Inesita pra inovar (Sou Notícia).

A culinarista sobrevive da renda que ganha com a venda dos pasteis de angu e outras quitandas. “Sou muito grata às oportunidades que tive. Vivo do dinheiro que ganho com o que faço e sou feliz por isso. Todos os meus pastéis têm boa saída. E eu faço cerca de 600 pastéis por dia, todos por encomenda e com validade de três meses, pois tudo é natural, ao contrário do que outras pessoas fazem por aí”, conta.

Todo ano, Inesita representa Itabirito em outras cidades, levando a tradição do pastel de angu e sua importância para a cultura. Entre outros lugares, ela já foi ao Alphaville, Belo Horizonte, Senhora dos Remédios, Nova Lima e Congonhas. Por falar em Congonhas, a culinarista revela que seu pastel é um sucesso na cidade: “Todo ano vou em Congonhas, no Festival da Quitanda. O povo lá ama meu pastel e a procura é sempre enorme. Tanto que meus pastéis acabam super rápido. Eu levo 1500 pastéis grandes, além de 50 pacotes com 25 unidades de pastel de angu pequeno”, destaca.

Valorização da cultura

Quando perguntada se o povo de Itabirito dá valor à cultura que há por trás do pastel de angu, Inesita não se acanha: “Pra falar a verdade eu tô achando muito fraco esse movimento aqui em Itabirito. O povo de fora dá mais valor. Muito mais. Aqui as pessoas não se importam muito com isso. Ofereço cursos; tenho paciência em ensinar e as pessoas estão preferindo dar valor a coisas que nem daqui são. Eu já ganhei prêmio por ficar em primeiro lugar e ser considerada a melhor quitanda regional com o famoso pastel de angu no Festival da Quitanda, em Congonhas. Em

2011 eu venci e fiquei muito emocionada. Ano passado eu também ganhei como melhor quitanda com o pastel de angu vegano, que foi um arraso. Todos queriam ver e provar. Esse pastel de angu vegano que eu desenvolvi leva umbigo de banana, tomate seco e azeite. Arrebentou! Ganhei e todos lá me aclamaram. Aqui ninguém tá nem ai. Muita gente nem sabe disso porque não dá a mínima”, reclama.

Inesita já ganhou prêmios pela criatividade ao produzir pastéis de angu (Sou Notícia).

Vem aprender também

Os cursos oferecidos por Inesita são realizados em grupos de 12 alunos, para que seja possível ajudar cuidadosamente cada um dos inscritos. As aulas são na casa da culinarista e são apenas duas horas de curso: “Com todo o material meu, incluindo ingredientes como fubá, água, polvilho, óleo, meu tempero artesanal, além de toca e máscara por uma questão de higiene, eu cobro R$120,00 por pessoa para dar o curso. Dá pra fazer cerca de cinco pastéis nessa aula e cada aluno leva pra casa o que produziu. É muito fácil e com duas horinhas dá pra aprender”, explica.

Culinarista dá aulas para quem deseja aprender a fazer o Pastel de Angu (Sou Notícia).

Sobre o Pastel de Angu

A criação do pastel de angu aconteceu na Fazenda dos Portões, que pertencia a David Pereira Lima. Sua esposa, Ana Joaquina de Lima, de acordo os boatos acerca do famoso pastel, tinha um bom convívio com as escravas Philó e Maria Conga. Ela as tirava da senzala e levava para dentro da casa. A criatividade das escravas, aliada à necessidade de alimentação, as fizeram usar sobras de carne e angu, assim como guisado feito com umbigo de banana. Quando possível, elas pegavam pedaços de carne dos seus senhores e escondiam em roletes de angu. Depois, elas assavam o angu em fornos feitos com cupinzeiros.

No começo, o pastel de angu tinha forma arredondada, o recheio era colocado sobre a massa, sendo enrolado e depois achatado, para que pudesse ser assado. Nessa época o nome dado à iguaria era “boroa”. Anos mais tarde, em torno de 1885, o pastel ganhou sua forma atual, dada por Ana da Prata Baêta, conhecida como “Dona Saninha da Prata”. Ela passou a receita para sua nora, Emília Martins Baêta, apelidada de “Dona Milota”, em 1915.

A receita conquistou o paladar das pessoas e, hoje em dia, o pastel de angu é apreciado em várias cidades, como Belo Horizonte, Conceição do Mato Dentro, General Carneiro, Itabira, Mariana, Ouro Preto, Sabará, entre outros municípios de Minas Gerais; e até mesmo outros estados, como São Paulo. Vários são os recheios, como carne moída, frango, queijo, bacalhau e, claro, o tradicional pastel de angu de umbigo de banana.

A Prefeitura de Itabirito registrou o modo de fazer o pastel de angu como Patrimônio de Natureza Imaterial, em dezembro de 2010. De acordo com o decreto, o pastel possui valor histórico e simbólico para a cidade, sendo um bem cultural protegido por lei. A história da cidade e da iguaria está num dossiê criado após o registro do preparo do pastel como patrimônio.

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